O caminho das células-tronco

Raras descobertas em medicina geraram tanta expectativa quanto a das células-tronco. De fato, a possibilidade de regenerar tecidos lesados por meio do transplante de células capazes de diferenciar-se em qualquer outra talvez venha a representar para as doenças degenerativas típicas do século 21 um avanço semelhante ao dos antibióticos para as moléstias infecciosas no século passado.

Para situar a discussão, vamos lembrar que existem 2 tipos de células-tronco: as adultas e as embrionárias. As adultas estão presentes na maioria dos tecidos e apresentam capacidade limitada de diferenciação, isto é, conseguem formar apenas alguns tipos de células. As embrionárias são totipotentes, ou seja, podem diferenciar-se em qualquer tipo de tecido.

Células-tronco adultas são utilizadas nos transplantes de medula-óssea (que nada tem a ver com medula espinhal) em casos de leucemia, por exemplo. Depois de administrar doses altíssimas de quimioterapia e radioterapia que matam as células cancerosas, mas destroem também as células responsáveis pela produção de glóbulos vermelhos, brancos e plaquetas, infundimos na veia do paciente células-tronco retiradas de um doador compatível. Ao chegar à medula dos ossos, essas substituem as que morreram e produzem novos glóbulos sanguíneos e plaquetas.

Já as embrionárias são imaturas, obtidas nas primeiras divisões de um óvulo fecundado, portanto muito mais versáteis. Enquanto as células-tronco presentes na medula-óssea de um adulto conseguem formar apenas glóbulos vermelhos, brancos e plaquetas, as embrionárias podem formar neurônios, músculos, tecido hepático, pulmonar ou qualquer outro.

Embora alguns defendam o emprego de células-tronco adultas em lugar das embrionárias para regenerar tecidos, os argumentos utilizados não encontram respaldo na comunidade científica que se dedica à área. Não há mais dúvida de que a capacidade de diferenciação daquelas é muito inferior e que ninguém sabe como fazer células-tronco da medula óssea de um adulto regenerarem neurônios num paraplégico ou músculo cardíaco num coração enfartado.

Infelizmente, essa questão foi envolvida numa polêmica inglória: de um lado, alguns religiosos interessados em proibir a pesquisa com elas, por considerar que a vida humana se inicia no momento em que o espermatozóide penetra o óvulo; de outro, os que concordam com os cientistas que propõem o aproveitamento de óvulos fecundados e congelados nas clínicas, mas desprezados por serem de má qualidade para a fertilização.

Entre os que defendem o uso de células embrionárias existe uma multidão de crianças portadoras de doenças hereditárias que afetam os músculos e impedem a deambulação, paraplégicos, portadores de Parkinson, Alzheimer, doenças cardíacas, esclerose múltipla, diabetes dependente de insulina e seus familiares aflitos. O drama vivido por essas pessoas criou pressão irresistível para a aprovação das pesquisas com células-tronco embrionárias no parlamento brasileiro e de outros países.

Para deixar clara minha posição, defendo o direito de acesso ilimitado aos benefícios que essas pesquisas trarão. Os que, por razões religiosas, são contrários a elas, por julgarem que descongelar óvulos fecundados, inúteis, que nunca serão implantados em útero algum, é assassinato, merecem todo respeito. A eles deve ser assegurado o pleno direito de recusar submeter-se a esse tipo de tratamento (quando estiver disponível), tal como Testemunhas de Jeová recusam transfusões de sangue, mas não o de criar dispositivos legais para impor ditatorialmente suas convicções aos que não pensam da mesma forma.

Enquanto a maioria dos pesquisadores estimava que os primeiros tratamentos estariam disponíveis em 5 a 10 anos, a Geron, uma companhia da Califórnia, anunciou há alguns anos na revista Science que seus estudos conduzidos em animais sugerem que o tratamento com células embrionárias pode ser seguro e eficaz num grupo selecionado de pacientes.

Mesmo os cientistas céticos, cautelosos quanto às possíveis consequências nefastas que a aplicação apressada de tratamentos ainda pouco testados possam trazer aos pacientes, estão de acordo com a escolha do alvo: neurônios lesados em acidentes medulares são mais fáceis de regenerar do que células produtoras de insulina nos diabéticos ou neurônios cerebrais inativos em pacientes com Parkinson.

O caminho que as células embrionárias deverão percorrer antes de entrar na prática médica será árduo. É preciso provar que as células transplantadas irão alojar-se no local adequado, que elas se diferenciarão nas células que desejamos e que seu crescimento ficará sob controle para que não formem tumores.

Os dados experimentais sugerem que os 3 objetivos têm sido alcançados pelos pesquisadores da Geron e por outras equipes. Pela tradição do FDA, o início do estudo jamais será autorizado enquanto seus técnicos não estiverem convencidos de que os pacientes não correrão riscos. A expectativa na comunidade científica é muito grande.

Fonte: Dráuzio Varella - 04 de junho de 2010

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