"A Língua Travada", pag.58

(Consoantes explosivas línguo-velares C-Q-G)

Um quebra-cabeças

Quando Cândido Godinho, aquele que comia couve que nem coelho, acabou de quebrar a crosta da concha, acreditou ter encontrado o segredo do quebra-cabeça. Caminhava a seco como um camelo, mas guardava um abacate, que comeria quando não mais agüentasse, e uma pequena garrafa de água, para quando a garganta secasse completamente.

A carta continha quatro caminhos a escolher. Escolheu o segundo, conselho da gorda com cara de cogumelo, que encontrara no descampado. As indicações eram claras. Acreditou, então, que a caixa que procurava, continha, com certeza, uma gorda gratificação.
Pelos cálculos, estava a um quarto de quilômetros do local. Caminhou compassadamente. Concluiu que o marco fincado ficava entre o coqueiro e a grota, na encosta da colina. Mal acreditou quando correu, correu, e finalmente encontrou o segredo conquistado. Gotas de suor escorriam. Cantou e gargalhou.

Quando abriu a caixa, quase caiu para trás, pois seus olhos o convenceram de que havia caído num conto do vigário. Dentro da caixa, cocôs de gato, quarenta cotonetes, cascas de cinco cocos e brinquedos quebrados. Só quinquilharias.

Thiago, o caçula, que é quem mais gosta de contos, não se conformou com a conclusão. Quer que Cândido Godinho consiga conquistar o alvo perseguido. Para agradá-lo, o final do conto fica modificado para:

Quando abriu a caixa... encontrou uma carta e um documento. O que a carta, escrita à máquina, contava:

"Há quatro anos atrás, uma complicada ataxia* deixou-me em completa decadência. Catalogando meus bens, concluí que cada coisa adquirida no decorrer da vida era pouco, comparado ao carinho incondicional que encontrei de desconhecidos. Assim, já que não me casei nem constituí família, já cansado e desgas­tado, fico com uma pequena parte do que consegui e garanto vida confortável a quem chegar até esta carta.

Encarreguei quinze guarda-costas de esconder cerca de quarenta caixas e centenas de escritos, contendo complexos quebra-cabeças a ser descobertos. Quem conseguir captar o conteúdo deles, encontrará as caixas.

O documento ao lado é a escritura de cinco casas no chiquérrimo condomínio Carumã, localizado a uma quadra da Praia das Copas.

Quero que aquele que chegar até aqui, consiga aquilo que sempre quis, sem se preocupar com agradecimentos.

Cordialmente, Glauco Guimarães."

Hoje, Cândido Godinho, grande comerciante, aluga quatro casas, casou-se com a médica e escritora Carolina Guimarães, tem cinco crianças já grandinhas, ocasionalmente fuma cachimbo e bebe uísque, cultiva margaridas no quintal, toca clarinete, come camarão e lagosta aos domingos, escuta concertos barrocos às quatro da tarde e é um cara rico e contente.

*editado, "para não dizerem que não falei de flores".

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