O projeto do Prof. Pierre Rustin: a identificação de alvos adicionais na ataxia de Friedreich

Este projeto foi co-financiado por BabelFAmily, Ataxia UK, AISA, ACHAF, FARA, APAHE e FASI

1) - Entendendo a ataxia de Friedreich (AF)

A ataxia de Friedreich resulta da falta de função da frataxina devido a uma expansão de GAA no gene em uma grande maioria dos casos [1]. Logo após a identificação dos genes envolvidos nesta doença, informamos a existência de comprometimento na proteína ferro-enxofre e mitocondrial nos tecidos afetados dos pacientes [2]. Descrevemos o círculo vicio34so que parece estar por trás da doença, associando intimamente a perda de agrupamentos de ferro-enxofre, um estresse oxidativo e acúmulo de ferro mitocondrial, que têm sido sugeridos desempenhar um papel em algum estágio da doença [3]. Finalmente, mostramos a resposta inadequada de células com depleção de frataxina e de camundongos ao insulto oxidativo [4].

2) - Tratamento da ataxia de Friedreich (AF)

Por isso, fora previsto, já em 1999, que o uso de um antioxidante com alvo mitocondrial deveria diminuir as consequências da depleção de frataxina. Então, assim, foi dado rapidamente o início ao primeiro ensaio clínico usando Idebenone, com algum sucesso, pelo menos, sobre a hipertrofia cardíaca frequentemente observada em pacientes [5]. Em seguida, fora sugerido o uso de uma abordagem alternativa que visasse diretamente à perda da função da frataxina, a etapa inicial da doença. Com este objetivo, tenta-se aumentar a transcrição total de proteínas mitocondriais e de componentes mitocondriais antioxidantes, incluindo a própria frataxina, pelo teste do PPAR um receptor gama. Assim, foi selecionada Pioglitazona uma droga anteriormente recomendado para combater o diabetes, mas que também mostrou ter efeito protetor em outras doenças neurológicas. Seguindo essa sugestão, teve início em nosso hospital em outubro de 2008 um ensaio duplo-cego controlado por placebo (dois anos; quarenta pacientes).

3) - Nosso Projeto: identificar outros alvos sensíveis em ataxia de Friedreich

Por experimentação de Pioglitazona e Idebenona, fora atingido os passos iniciais e finais da ataxia de Friedreich. Se tem agora a idéia de como atingir os passos adicional, intermediário e crítico (s) das consequências de depleção da frataxina na célula.

Até o momento, é muito difícil explicar os diversos aspectos das consequências de depleção da frataxina nas células, isto é, perda de agrupamentos de ferro-enxofre, estresse oxidativo e acúmulo de ferro mitocondrial. No entanto, a análise deste último, mostra uma série de evidências, tanto em humanos como em camundongos com depleção de frataxina, sugerindo que se trata de um fenômeno tardio. Além disso, recentemente apresentamos provas de que o quelante de ferro mitocondrial é uma espada de dois gumes perigosa. Na verdade a depleção grave de ferro mitocondrial vai resultar no bloqueio de caminhos requeridos para a biossíntese de ferro (ferro-enxofre e de ferro- heme), resultando na morte celular [6]. Como consequência, a utilização em longo prazo de quelantes de ferro mitocondrial pode, portanto, mostrar-se muito perigosa no ser humano.

Curiosamente, a perda do agrupamento ferro-enxofre, tem se mostrado dependente do oxigênio em leveduras mutantes com depleção de frataxina e em fibroblastos humanos com baixa frataxina com aumento da sensibilidade à agressão oxidativa, mas com a atividade normal do agrupamento de ferro-enxofre contendo enzimas. Isto sugere que a hiper-sensibilidade ao estresse oxidativo é um evento que acontece muito cedo, possivelmente anterior à perda quantitativa do agrupamento de ferro-enxofre. Nós e outros atribuíamos essa sensibilidade à indução hiper prejudicada de superóxido dismutase sob ataque oxidativo. [4, 7]. Mais recentemente estabelecemos que esta se originasse a partir de um comprometimento mais geral de enzimas antioxidantes de fase II pelo fator de transcrição Nrf2 [8].

Enquanto vários grupos envidavam muitos esforços para decifrar a função da frataxina na biossíntese de agrupamentos de ferro-enxofre, decidimos nos dedicar a este novo projeto para concentrar nossa atenção sobre o mecanismo que pudesse explicar a perda da função Nrf2 associada à depleção da frataxina. Este mecanismo desconhecido poderia oferecer nova luz sobre a função da frataxina, ajudar a identificar novos alvos e abrir caminho para nova maneira de combater a doença.

Este é um projeto de vários anos, o que implicará uma série de passos

A) Decifrando a natureza e composição do complexo proteíco que liga a actina Nrf2 à mitocôndria.

A tentativa de realizar esta análise será feita através do estudo de várias linhagens de células humanas primárias (fibroblastos da pele) e células humanas derivadas de tecidos neurais (como SK-N-AS). Já conhecemos, vale lembrar, alguns dos componentes deste complexo que irão ajudar na identificação dos seus outros membros.
- 1. O estudo incluirá análises do complexo previsto em condições não desnaturados por BN Page, utilizando a série disponível de anticorpos-alvo, supostos membros do complexo. O complexo será obtido por métodos de padrões suspensos começando pela ruptura celular empregando condições mais suaves.

- 2. Caso seja necessário, será realizada espectrometria de massa, com base na análise do complexo suposto ou usando a afinidade sequencial de purificação de proteínas alvo de interesse (possivelmente aumentando a relação sinal/ruído via a geração de amostras limpas), ou por marcação isotópica estável de proteínas, possivelmente diferenciar compostos contaminantes e não-contaminantes usando técnicas clínicas quantitativas MS. A recente contratação pelo nosso grupo de um especialista dessas técnicas irá torná-lo disponível para o projeto, sendo necessário, o instrumento ficará disponível em nosso hospital.

-3. Exclusão da participação de um subgrupo de Frataxina podendo ser realizada no final desta fase, posto que tenha sido sugerida a existência de tais supostos subgrupos no citosol de célula.

-4. Será realizado em grupo de células de pacientes, em um segundo passo, um estudo paralelo com séries semelhantes de análises. Estabelecemos anteriormente que o fenótipo destas células já indica a perda de NeF2 ancorada à rede de actina. [8]

B) Atingindo os vários componentes do complexo.

Nesta parte do projeto, vamos avaliar/verificar o papel relativo dos diversos componentes do complexo, em particular o seu papel na sensibilidade ao estresse oxidativo.

-1. Utilização de ShRNA para eliminar os vários alvos (componentes do complexo), de uma linha celular (FLP-In T-Rex HEK-239), que permita uma inserção única e direcionada a um lócus definido e que, além disso, a expressão possa ser modulada por doxiciclina. Anteriormente já havíamos usado essa abordagem com sucesso durante a expressão de uma proteína alotópica na cadeia respiratória [9]. A extinção da expressão do gene alvo será verificada por PCR quantitativa e/ou por Western blotting.

- 2. As células obtidas serão amplamente caracterizadas por seu fenótipo, sobretudo para o potencial de prejudicar a sua sensibilidade ao estresse oxidativo. Isso nos dará a oportunidade de modular as condições de cultura de células para determinar se não são capazes de modular os efeitos, possivelmente incluindo a estabilidade de agrupamentos ferro-enxofre, em várias dessas células.

C) O elo perdido...

Nesta parte do projeto, vamos tentar caracterizar a relação existente entre a frataxina localizada na matriz mitocondrial e o complexo citosólico localizado contendo Nrf2. Várias hipóteses podem ser estabelecidas para explicar a desorganização do complexo associada à depleção da frataxina.

- 1. A primeira hipótese é o excesso de produção de espécies oxidantes a partir da frataxina esgotada em mitocôndrias de fibroblastos do paciente. Vamos testar essa hipótese usando sensor redox sensitivo fluorescente, sabendo que o fluxo de elétrons na cadeia respiratória destas células cultivadas com depleção de frataxina não é quantitativamente afetado. Um conjunto já conhecido de células com depleção de frataxina da cadeia respiratória tais como a produção de espécies oxidantes, será utilizado como controle positivo [10].

- 2. A segunda hipótese requereria a existência de uma proteína ferro-enxofre vinculada ao complexo Nrf2 extremamente sensível (em comparação com outros ISP) para uma diminuição do teor de frataxina mitocondrial. A indicação sobre a ocorrência dessa proteína poderia surgir a partir da primeira parte deste estudo. Uma proteína tal como GRX2 que se liga ao agrupamento de ferro-enxofre para dimerizar teria sido um candidato perfeito, mas anteriormente havíamos estabelecido que não interfere na depleção de frataxina no fibroblasto [8].

D) Restaurar a resposta normal à agressão oxidativa.

Já havíamos estabelecido que os peróxidos de hidrogênio capturados (um dos compostos oxidantes liberados pela mitocôndria) restauram a função normal da Nrf2 em fibroblastos do paciente. No entanto, como o peróxido de hidrogênio capturado pode provocar uma série de consequências não necessariamente restritas ao ou mediadas por um efeito sobre o Nrf2 vinculado ao complexo, gostaríamos de:

-1. Analisar/demonstrar a consequência do peróxido capturado sobre a estabilidade do complexo.

-2. Identificar novos compostos capazes de realocar Nrf2 em células com frataxina esgotada. Para esta parte do estudo iremos utilizar fibroblastos derivados (conseguidos por meio de rápido crescimento de um conjunto de células), utilizando morte celular induzida por oxidante (rastreamento restaurado de localização de Nrf2), e também o banco de compostos (80.000) testados previamente em programas anteriores de pesquisa nos quais estiveram envolvidos.

Os resultados finais podem (devem) incluir

- Uma melhor compreensão da resposta ao estresse oxidativo da célula com depleção de frataxina.

- Caracterização de um complexo de proteínas (e via de sinalização associada), que poderia muito bem desempenhar um papel considerável na ataxia de Friedreich como também em outras doenças neurodegenerativas;

- Identificação de novo (s) objetivo(s) e novo (s) composto (s) a ser (em) testado (s) para combater a ataxia de Friedreich.

Referências

1. Campuzano V, Montermini L, Molto MD, Pianese L, Cossee M, Cavalcanti F, Monros E, Rodius F, Duclos F, Monticelli A, Zara F, Canizares J, Koutnikova H, Bidichandani SI, Gellera C, Brice A, Trouillas P, De Michele G, Filla A, De Frutos R, Palau F, Patel PI, Di Donato S, Mandel JL, Cocozza S, Koenig M, Pandolfo M. Friedreich's ataxia: autosomal recessive disease caused by an intronic GAA triplet repeat expansion. Science 1996; 271; 1423-1427
2. Rotig A, de Lonlay P, Chretien D, Foury F, Koenig M, Sidi D, Munnich A, Rustin P. Aconitase and mitochondrial ironsulphur protein deficiency in Friedreich ataxia. Nat Genet 1997; 17; 215-217
3. von Kleist-Retzow JC, Chantrel-Groussard K, Rotig A, Munnich A, Rustin P. [Friedreich ataxia. 3 years after the identification of the gene a glimmer of hope for therapy]. Dtsch Med Wochenschr 2000; 125; 293-295
4. Chantrel-Groussard K, Geromel V, Puccio H, Koenig M, Munnich A, Rotig A, Rustin P. Disabled early recruitment of antioxidant defenses in Friedreich's ataxia. Hum Mol Genet 2001; 10; 2061-2067
5. Rustin P, von Kleist-Retzow JC, Chantrel-Groussard K, Sidi D, Munnich A, Rotig A. Effect of idebenone on cardiomyopathy in Friedreich's ataxia: a preliminary study. Lancet 1999; 354; 477-479
6. Goncalves S, Paupe V, Dassa EP, Rustin P. Deferiprone targets aconitase: implication for Friedreich's ataxia treatment.BMC Neurol 2008; 8; 20
7. Jiralerspong S, Ge B, Hudson TJ, Pandolfo M. Manganese superoxide dismutase induction by iron is impaired in Friedreich ataxia cells. FEBS Lett 2001; 509; 101-105
8. Paupe V, Dassa EP, Goncalves S, Auchere F, Lonn M, Holmgren A, Rustin P. Impaired nuclear Nrf2 translocation undermines the oxidative stress response in Friedreich ataxia. PLoS ONE 2009; 4; e4253
9. Dassa EP, Dufour E, Goncalves S, Paupe V, Hakkaart G,Jacobs HT, Rustin P. Expressing the alternative oxidase complements cytochrome c oxidase deficiency in human cells. EMBO Mol Med 2009; 1; 30-36
10. Dassa EP, Paupe V, Goncalves S, Rustin P. The mtDNA NARP mutation activates the actin-Nrf2 signaling of antioxidant defenses. Biochem Biophys Res Commun 2008; 368; 620-624

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